quarta-feira, maio 30, 2007

Receita da cozinha politicamente incorreta: como explicar para um ateu que ele possui uma alma

A dica de hoje é super fácil. Basta que, primeiramente, o nefasto ser compreenda que há algo que diferencia os homens e demais criaturas vivas dos minerais e outros seres inanimados (o que não será simples, bem sei). A princípio, chamaremos esse algo de alma (no sentido de princípio que anima as coisas; que lhes confere movimento próprio). Se o jaburu ficar escandalizado com a palavra e rasgar as vestes, não se assustem: esta é uma reação muito comum.

Depois disso, você tem uma árdua tarefa pela frente: explicar para ele que existe uma grande diferença entre a inteligência humana e a animal. Esta é do tipo sensível concreta (mais precisamente, associativa), o que quer dizer que os animais são despertados por seus instintos e agem de acordo com eles como resultado do processamento de imagens que lhes são fornecidas pelo meio em que estão. Ora, grande parte da inteligência humana é associativa, mas não podemos dizer que toda ela o seja. O homem possui também uma inteligência racional abstrata, pois consegue captar as essências das coisas por um processo chamado abstração. Falei grego? Pois então vamos explicar o que são as tais essências.

A essência é aquilo que faz algo ser uma coisa e não outra. Se encontrarmos um animal grande, com crina, rabo e quatro patas diremos que é um cavalo, e não um cachorro. Assim, o conceito de cavalo corresponde à sua essência, da qual os acidentes (cor, tamanho, etc.) são retirados para sua obtenção.

Em terceiro lugar, temos de convencer o ateu de que a essência é abstrata (termo que provavelmente não será encontrado em seu léxico), ou seja, que não é sensível e que, ao mesmo tempo, é imutável (a essência do cavalo não está sujeita ao tempo) e a-espacial (não ocupa um lugar). Agora vá com muito cuidado, pois a reação do infeliz pode não ser muito agradável. Você terá de perguntar-lhe como nós, que temos os sentidos estruturados para captar mecanicamente a realidade material do universo, somos capazes de abstrair realidades como as essências, que são imateriais, atemporais e a-espaciais. Isto poderá causar, como já foi observado, alguns chiliques, mas estes não serão nada comparados com o que vai acontecer quando você der a resposta. Portanto, esteja preparado e tenha um copo de água com açúcar na mão.

A única coisa que responde a isso é que o ser humano tem de ter um sentido que seja conatural às características das essências, ou seja, algo imaterial, atemporal e a-espacial, e que corresponde ao que chamamos de espírito.

Mas, se ainda assim o ateu se recusar a acreditar que a alma existe, então lhe exponha o problema da linguagem, que se resume em como o homem, através de poucas palavras, consegue expressar um número infinito de representações. Com efeito, é somente pela linguagem que a capacidade de abstração de um ser pode ser provada, e disto decorre que, se apenas o ser humano possui linguagem, logo somente ele possui espírito.

Ah.... mas ele ainda não se convenceu? Então lhe diga que apenas o homem possui uma vontade livre, capaz de transcender os impulsos que naturalmente possui em busca de um ideal que julga estar acima da satisfação destes instintos. Quer dizer: se você já viu um cachorro fazer regime, ou uma vaca que leve uma vida ascética, ou um boi que seja casto, então pule de alegria: você acabou de descobrir o que em milhares de anos a humanidade não foi capaz de perceber, ou seja, que os animais também tem alma.

Mas ele é insistente, teimoso, e burro como uma porta. Diz-lhe que tudo é relativo, que os animais também são gente, que você é muito orgulhoso pensando que só os homens possuem uma alma. Então lhe responda, numa derradeira tentativa, que somente o homem possui reflexividade, que é a capacidade de voltar-se para si mesmo, de perceber que existe um eu. Do fato de que o ser humano possui consciência (reflexividade), ao contrário dos outros animais, resultam diversas observações. Por exemplo, se você já viu um passarinho cometer suicídio, esta é outra das grandes descobertas que podem levar ao Nobel.

Contudo, é possível que o ateu não se tenha convencido, e que você esteja cansado de tentar fazer com que ele se dê conta de que o céu é azul e o mar é salgado. A única coisa que resta fazer, então, é uma longa e pausada reverência, uma virada de costas, uma abaixar as calças, e um soltar um peido bem grande. E veja se ao menos nisto ele consegue acreditar.

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