sexta-feira, abril 14, 2006

Simplesmente Cristianismo

Já dizia um sábio que os melhores livros estão comendo poeira nas prateleiras dos sebos. De fato, é uma pena que certas obras primas estejam fadadas a dois destinos: passar um bom tempinho cozinhando em banho maria até que um leitor perspicaz descubra um tesouro entre as mãos ou, o que é mais comum, não ser reconhecida nunca.

Mero Cristianismo é um desses clássicos que por uma fatalidade inexplicável não se tornou um clássico. Creio, porém, que podemos conjeturar algumas hipóteses sobre o porquê disto: a primeira, que sendo Lewis de religião anglicana o livro não atraia o público cristão restante; a segunda, que tratando o livro de um tema cristão, não desperte o interesse daqueles que não acreditam em Cristo ou que simplesmente não crêem em nada; a terceira, que o próprio título afaste o leitor por um motivo, literalmente, de mera semântica: a palavra mero pode assumir um significado pejorativo que lhe cause repulsa.

Contudo, o “mero” a que C. S. Lewis se refere não possui nenhuma conotação negativa, antes pretende transmitir a idéia do Cristianismo como um todo; aquilo em que todas as religiões cristãs convergem. Melhor seria, portanto, se o título original “Mere Christianity” fosse traduzido por “Simplesmente Cristianismo”, pois assim se evitariam certos desdéns que acaso o leitor pode ter à primeira vista, como a primeira edição em língua portuguesa ambicionou fazer traduzindo-o por “Cristianismo Puro e Simples”.

Mas a obra não é apenas destinada a um grupo restrito de crentes. Arrisco dizer que um agnóstico pode desfrutá-la sem que isto lhe provoque nenhuma crise de “fé” - dependendo, é claro, do tamanho desta “fé”, porque os argumentos dos quais se utiliza Lewis são de uma clarividência gritante. Mero Cristianismo é mais que um livro religioso - é um ensaio de filosofia, uma explicação do motivo pelo qual os cristãos crêem e as conseqüências ascéticas que derivam disto. Quer dizer, se você não acredita em que Jesus Cristo é Deus e homem, isto de maneira alguma deve impedi-lo de ler o livro, pois ao final da leitura ao menos saberá o porquê de suas reservas quanto ao Cristianismo. Por outro lado, se você é católico não tem com o que se preocupar. Digamos que para a conversão de Lewis à Igreja Católica Apostólica Romana faltou realmente muito pouco - um pequeno salto, em que pese a orientação de seus amigos católicos como J. R. R. Tolkien.

O prefácio da edição brasileira por Henrique Elfes é bastante elucidativo quando anota que Mero Cristianismo “É uma das obras centrais e mais populares de C. S. Lewis. Dirige-se primariamente a um público descristianizado em ampla medida, a esse ‘homem moderno’ que recebeu uma certa cultura científica na escola e na Universidade, mas pouca ou nenhuma cultura humanística ou teológica.”

Alguns capítulos do livro são realmente geniais. Para aqueles que nunca acabaram por entender completamente o que significa o Direito Natural indico os três primeiros capítulos, “A Lei da natureza humana”, “Algumas objeções” e “A realidade da Lei”. Neste mesmo contexto insere-se o primeiro capítulo da Parte III, “As três partes da Moral”, que é de uma lucidez incrível. Por fim, ainda na parte III destaca-se o capítulo VIII, chamado “O grande pecado”, que trata sobre o problema do pecado raiz de todos os pecados: a soberba ou, se preferirem, o orgulho.

Finalmente, para aqueles que se interessem em adquirir o livro, Mero Cristianismo foi lançado pela editora Quadrante de São Paulo.

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