segunda-feira, julho 03, 2006


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domingo, junho 25, 2006

Controle Populacional: o que há por trás da cortina de fumaça? - Final

Kissinger continua em outra parte do documento:

“As ações construtivas que os EUA tomarem ajudarão a promover os nossos objetivos. Para isso devemos:
a) Apoiar firmemente o Plano Mundial de População e a adoção das suas cláusulas apropriadas nos programas nacionais e outros.
b) Incentivar os programas nacionais a adotarem metas populacionais específicas que incluam os níveis de substituição da fertilidade para os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos.
c) Iniciar um plano de cooperação internacional de programas de pesquisas nacionais sobre a reprodução humana e o controle da fertilidade, programas que abranjam os fatores sócio-econômicos e biomédicos, conforme foi proposto pela Delegação dos EUA em Bucareste.
d) Iniciar um programa de pesquisa estratégico cooperativo internacional sobre reprodução e controle da fertilidade que incluam aspectos médicos e sócio-econômicos, como foi proposto pela Delegação dos EUA em Bucareste
e) Agir de acordo com nossa proposta em Bucareste, colaborando com outros doadores interessados e órgãos da ONU para ajudar os países escolhidos a desenvolverem serviços de planejamento familiar e de saúde preventiva de baixo custo.
f) Trabalhar diretamente com os países doadores e por meio do Fundo das Nações Unidas para as Atividades de População e o OECD/DAC para aumentar a assistência bilateral e multilateral para os programas populacionais.”
(Páginas 19 a 21)

O FNUAP (Fundo das Nações Unidas para as Atividades de População) é sustentado pelo milionário norte-americano Ted Turner, fundador do canal de televisão CNN e co-presidente da Time-Warner, que já desembolsou 8 milhões de dólares a este órgão da ONU, o qual possui projetos em andamento para o que chama de “saúde reprodutiva”. A fundação é dirigida pelo ex-senador Timothy Wirth, diretor da delegação dos EUA na conferência do Cairo sobre População durante o governo Clinton, onde se destacou por suas posições radicais em defender a contracepção e o aborto livre. Também outros milionários já fizeram vultuosas doações (Bill Gates doou 1.7 milhão de dólares “para atividades de controle da população e desenvolvimento econômico”). George Soros e Warren Buffet, coincidentemente, “contribuem com grandes somas a entidades que promovem o controle de natalidade” (Aceprensa, 1998). O livro de Jacqueline Kasun (The War Against Population) contém uma série de dados sobre instituições financiadas por americanos (quando não pelo próprio governo dos EUA) que colocam o controle de natalidade como condição para empréstimos e outros assuntos de ordem econômica a outros países (como a Índia, por exemplo). A tabela a seguir foi extraída desta edição (pg. 221) e mostra os milhões de dólares investidos pelos EUA em toda espécie de redução do índice de fertilidade em alguns anos:

Gráfico

Continuação

Os dados acima apontam os investimentos norte-americanos tanto dentro como fora do país - os primeiros a fim de diminuir o número de pobres, negros e imigrantes latinos (normalmente vindos do México), e os segundos aplicados em toda espécie de programas aos quais já nos referimos. Isto evidencia que esta política de controle, longe de ser atribuída somente ao Estado, deve ser analisada contemplando indivíduos ideologicamente influenciados, que procuram inserir nas pessoas valores que não são valores, e sim mentiras travestidas de verdade. O método de disseminação destas idéias pró-controle, entretanto, possui um teor muito parecido com aquele utilizado por Antonio Gramsci e sua Revolução Cultural, pois as introduz na educação das novas gerações como se fosse algo perfeitamente aceitável, quando na realidade é perfeitamente sórdido.

A manipulação do índice de crescimento populacional, portanto, surge como mais um dos membros do Estado-Leviatã que sufocam o indivíduo a ele subordinado, não tão inocente de todo. No entanto, o pior disso tudo é que ninguém está absolutamente acordado para enxergar os fatos, e quando a sociedade abrir os olhos, corre o risco de não ver mais que um mundo corroído pelo egoísmo e pela aversão ao próprio homem, debatendo-se em uma tentativa inútil de salvar-se.

sábado, maio 27, 2006

Controle Populacional: o que há por trás da cortina de fumaça? - Parte IV

Após tais considerações seria conveniente - e até muito normal - perguntar-nos pelos motivos que possuem os Estados para adotar tal política de manipulação. Aqui chegamos a um ponto, porém, em que é necessário que o autor deste texto deixe bem claro que nunca, em momento algum, participou do lamentável sentimento antiamericano, tão comum entre nós. Mas a verdade é mais compulsiva que a pura idéia, e os fatos, como venho tentando demonstrar, gritam mais alto do que qualquer espécie de concepção. A realidade é aquilo que ela é, e quanto a isso podemos espernear, se quisermos, mas não podemos defraudá-la.

Em 10 de dezembro de 1974 o então secretário do Estado Norte-Americano Henry Kissinger elaborara um documento intitulado National Security Study Memorandum 200: Implications of Worldwide Population Growth for US Security and Overseas Interests (Memorando de Estudo de Segurança Nacional 200: Implicações do Crescimento Populacional Mundial para a Segurança e os Interesses Ultramarinos dos Estados Unidos), que foi entregue por meio do Conselho Nacional de Segurança americano ao presidente Gerald Ford. O NSSM 200 foi mantido como confidencial até 1980, quando a Casa Branca desclassificou o documento, que agora pode ser acessado na internet (http://www.providaanapolis.org.br/liminat.htm; http://providafamilia.org/relatorio_kissinger.htm; http://www.defesadavida.com.br/clea_fsm2002.htm).

O Relatório Kissinger afirma que o crescimento populacional dos países em desenvolvimento constitui uma ameaça à hegemonia dos Estados Unidos da América, e defende a difusão nestas regiões dos mais diversos meios contraceptivos: esterilização em massa (tanto em homens quanto em mulheres), anticoncepcionais, preservativos, leuteolíticos, auto-progesterona e DIU’s, além da criação de uma mentalidade contra famílias numerosas. Quanto ao aborto, a questão é colocada desse modo: “Nota especial: Embora os órgãos que estão participando desse estudo não tenham recomendações específicas para propor com relação ao aborto, acredita-se que as questões seguintes são importantes e devem ser consideradas no contexto de uma estratégia global de população: - nenhum país já reduziu o crescimento de sua população sem recorrer ao aborto” (NSSM 200, Pág. 182).

Neste documento também há referências ao Brasil:

"A assistência para o controle populacional deve ser empregada principalmente nos países em desenvolvimento de maior e mais rápido crescimento onde os EUA têm interesses políticos e estratégicos especiais. Estes países são: Índia, Bangladesh, Paquistão, Nigéria, México, Indonésia, Brasil, Filipinas, Tailândia, Egito, Turquia, Etiópia e Colômbia" (páginas 14/15, parágrafo 30).
"América Latina. Prevê-se que haverá rápido crescimento populacional nos seguintes países tropicais: Brasil, Peru, Venezuela, Equador e Bolívia. É fácil ver que, com uma população atual de mais de 100 milhões, o Brasil domina demograficamente o continente; lá pelo fim deste século, prevê-se que a população do Brasil chegará aos 212 milhões de pessoas, o mesmo nível populacional dos EUA em 1974. A perspectiva de um rápido crescimento econômico - se não for enfraquecida pelo excesso de crescimento demográfico - indica que o Brasil terá cada vez maior influência na América Latina nos próximos 25 anos"
(página 22).

Antes de prosseguir, entretanto, faz-se necessário um breve parêntese para esclarecer algo que vim adiando ao longo de todo o texto: ninguém confunda controle de natalidade com o chamado planejamento familiar. Este nada mais é que o dever de pensar no futuro, próprio e dos filhos, antes de trazer uma criança ao mundo. Resumindo em uma palavra: responsabilidade.

No entanto, o que se observa no quotidiano não é a ausência deste valor, e sim um excesso do mesmo. Ocorre algo parecido com aquelas pessoas que dizem frases do tipo: “você deveria ter mais alto-estima” - e os que realmente se empenham em aumentar sua “auto-estima” conseguem apenas se tornar egoístas ferrenhos. Isto quer dizer que o pêndulo está de um lado, quando as pessoas julgam estar em outro. Uma grande maioria de casais pode ter mais filhos, mas não quer – outros quinhentos, portanto. Aliás, este é o maior problema do assunto: quem pode ter crianças e dar-lhes uma vida digna não o faz, e quem não pode, faz. Mas isto, por óbvio, não justifica as campanhas massivas e a “educação sexual” (com muitas aspas) que o governo desempenha, por exemplo, nas favelas – algo que interfere diretamente na liberdade do indivíduo.

Não se pode afirmar, portanto, que a origem desse mal são os Estados Unidos ou o governo de modo genérico. O relatório Kissinger elaborou diretrizes para aplicações de verbas e o modo de criar uma nova mentalidade no povo mundial, mas este mesmo povo é formado por indivíduos que nunca puderam ou poderão ignorar a própria consciência.

Todavia, a mera leitura superficial desse documento basta para chegar-se à conclusão que os argumentos de “responsabilidade” têm uma origem muito peculiar, e que não são apenas falsos, mas o meio pelo qual se torna mais viável fazer com que a população aceite sem pensar duas vezes algo que é evidentemente estranho à sua própria natureza:

"Os EUA podem ajudar a diminuir as acusações de motivação imperialista por trás do seu apoio aos programas populacionais declarando reiteradamente que tal apoio vem da preocupação que os EUA têm com:
a) o direito de cada casal escolher com liberdade e responsabilidade o número e o espaçamento de seus filhos e o direito de eles terem informações, educações e meios para realizar isso; e
b) o desenvolvimento social e econômico fundamental dos países pobres nos quais o rápido crescimento populacional é uma das causas e conseqüência da pobreza generalizada.”
(Página 115)

Note-se ainda que as colocações do excerto acima são as mesmas utilizadas por aqueles brasileiros que hoje defendem com unhas e dentes o controle de natalidade, e, em especial, de políticos como Marta Suplicy e José Serra. Não é mera coincidência que atualmente qualquer mulher pode conseguir um anticoncepcional gratuitamente em um posto de saúde, tampouco que todos os jovens, no alistamento militar, recebam uma guia informativa sobre doenças sexualmente transmissíveis e, anexo, um preservativo (que também se pode adquirir nos postos de saúde).

O percentual de falha contra a gravidez da camisa de vênus é de 10 a 20%, de acordo com o estudo publicado na revista The Lancet em 27/11/2004, ratificado por 150 experts de 36 países, segundo o qual “os jovens devem ser informados de que o uso correto e sistemático do preservativo reduz o risco de AIDS de 80 a 90%”. Por sua vez, a OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou que “o preservativo reduz, mas não elimina o risco de contágio do HIV. Somente a fidelidade entre um casal estável elimina o risco de contágio”. Imaginem, então, se alguém neste mundo faria um passeio a Disney Lândia na hipótese de uma em cada dez pessoas morrer durante o vôo. Não creio. Ademais, por uma simples conta matemática, conclui-se que se um indivíduo mantiver relações sexuais com um parceiro portador de AIDS por mais de dez vezes, utilizando a camisinha, a probabilidade de que adquira a doença tende a 100%, o que, de fato, é terrível e deveria ser alertado ao público. Mas é ao menos estranho que em plena era da informação poucos estejam conscientes de tais circunstâncias (...).

Ora, a distribuição das camisas de vênus, portanto, apenas mitiga a proliferação da doença, mas aumenta a promiscuidade - um dos fatores que diminuem a taxa de natalidade, pois instiga ao sexo e não às suas naturais conseqüências – e diminui consideravelmente o crescimento populacional. E ainda que se diga que estas são “questões que a ciência há de resolver”, o mesmo não se pode sustentar quanto aos anticoncepcionais mencionados acima. Isto sem falar, é claro, nas massivas campanhas de televisão e telenovelas – as primeiras instigando ao sexo “seguro”; as segundas, propondo um modelo de família com, no máximo, um par de filhos.

segunda-feira, maio 22, 2006

Controle Populacional: o que há por trás da cortina de fumaça? - Parte III

Existe ainda uma terceira corrente denominada Econeomalthusianismo. Sob alaridos de proteção ao meio ambiente (o aumento da população estaria acarretando a extinção das espécies e da biodiversidade), seus defensores sustentam que os próprios seres humanos sejam controlados. Esta teoria levou ao impasse do que se chamou Questão Ecológica, cujo principal ativista difusor é uma ONG denominada WWF, a qual, por meio de um trabalho realizado dois ecologistas - Myers e Anderson – afirma que atualmente a extinção de animais é de uma espécie por dia; mas, em 2030, esta relação será elevada para uma por hora.

Novamente, todavia, os fatos são contrários à tese. Em primeiro lugar, porque nem ao menos sabemos quantas espécies de animais existem no mundo. Em 1994, descobriu-se uma nova espécie de pássaro na Europa e, em 1998, duas espécies de mamíferos na Indochina. Em segundo lugar, porque esta ONG é sustentada por fundos públicos, isto é: sem alarmismo não há repasse de verbas.

A quarta teoria que pretende fundamentar o controle de natalidade é o Desenvolvimentismo, cujo raciocínio pode ser expresso nos seguintes termos: sendo a renda per capita a relação do Produto Nacional Bruto dividido pelo número de habitantes do país, e, considerando como excelente o crescimento do PNB em uma porcentagem que varia de 2% a 5% – meta que é mitigada pelo fato de que a população cresce de 1% a 6% – a solução mais pragmática seria diminuir a população ou, ao menos, estagná-la. O erro, contudo, está em que a solução é exatamente isto: pragmática; falta-lhe a vertente humana. Além disso, se o que conta é apenas o proveito econômico que a pessoa produza ou possa produzir, seria mais coerente, pela mesma dedução, ao invés de impedir a geração de novas pessoas, eliminar as mais velhas. Aquelas são potencialmente mais favoráveis à economia, enquanto estas se tornam, na medida em que passa o tempo, um fardo econômico ambulante. Mas isto ninguém aceita, embora por motivos meramente sentimentais, afetivos – e não racionais. Se considerada verdadeira a premissa maior, e analisada a situação com frieza, não há contradição que desaprove o silogismo.

Em verdade, todas essas posições estão profundamente influenciadas por correntes ideológicas. Malthus escreveu seu livro quando o Liberalismo Econômico inglês de Adam Smith estava a todo vapor. Havia, por essa época, mais mão de obra do que a Inglaterra necessitava, e também mais pobres do que alguns suportavam. Todas as outras fundamentações são decorrências e variantes desta, enraizadas pelas mais diversas ideologias, como o materialismo/pessimismo, o economicismo (a salvação através da economia) e o ecologismo (com a sua mais profunda convicção panteísta), cujo maior representante é a Organização das Nações Unidas. Isto, é claro, sem falar em instituições que financiam o controle de natalidade como a IPPF (International Planned Parenthood Federation), uma Organização Não-Governamental que é sucessora da Eugenic Society (...).

sábado, maio 20, 2006

Controle Populacional: o que há por trás da cortina de fumaça? - Parte II

Na realidade, grande parte das pessoas ainda acredita erroneamente na teoria de Malhus porque tem por base a (ultrapassada) pirâmide de idades. O gráfico abaixo é um modelo trasladado de uma enclopédia e que acompanha, de forma mais ou menos perfeita, todos os livros de Geografia do Ensino Brasileiro quando comparam dois países, um "em desenvolvimento" e outro desenvolvido, respectivamente. As regiões da base e do topo da pirâmide significam populações não economicamente ativas; a economia do país é sustentada pelas regiões intermediárias, que precisam ser capazes de sustentar os indivíduos das extremidades:

Gráfico

Continuação

Observe-se, contudo, que o gráfico posto à direita oferece três conclusões alternativas, uma vez destacada a região de 0 a 34 anos – ilações estas baseadas no fato de que há uma queda abrupta do número de indivíduos na faixa que vai de 15 a 19 anos, normalizada novamente depois. A primeiras delas é que tenha ocorrido uma epidemia generalizada, dizimando parte destes jovens (esta é para rir, claro). A segunda é que houve uma época em que os pais resolveram ter menos filhos, seguida de outra época em que quiseram voltar a tê-los. Mas isto, obviamente, pressupõe uma orientação de qualquer parte, e muito provavelmente uma verdadeira campanha contra a natalidade seguida por uma outra a favor dela. A sociedade não se dispõe a ter menos bebês de modo tão repentino assim a não ser pela adesão a alguma proposta, especialmente quando isto influa em algo que interfere diretamente na intimidade do homem - o seu direito de procriação. A terceira conclusão, baseada na anterior, impõe-se no sentido de que é simples controlar a taxa de crescimento populacional, e aumentá-la ou diminuí-la quando for mais conveniente, instituindo um sistema cíclico.

A realidade é bem outra. Em 28 de fevereiro de 2001, a Divisão de População da Organização das Nações Unidas (a contra senso, uma das maiores incentivadoras do controle do índice demográfico) publicou um relatório em que prevê que aproximadamente 90 % dos habitantes do planeta viverão em países pobres e o Ocidente precisará de 100 milhões de imigrantes para manter a sua população economicamente ativa. É o que diz o documento: “atualmente, há 64 países (que têm 44% da população mundial) com taxas de fecundidade insuficientes para garantir a reposição de gerações (mínimo de 2.1 filhos por mulher). A fecundidade média mundial baixará de 2.68 (hoje) a 2.15 filhos por mulher (2050). A taxa continuará descendo nos países em desenvolvimento e subirá nos ricos, mas não o suficiente para atingir o patamar de reposição. Os países menos fecundos serão Alemanha e Itália (1.61), seguidos por Espanha (1.64) e Áustria (1.65)” (Aceprensa, maio de 2001).

O processo de elevação da taxa de natalidade é bem mais complicado e lento do que obter resultados com uma campanha de redução deste mesmo índice. O problema todo é que ninguém vai às últimas conseqüências quando se estuda este tipo de situação. O produto mediato de um controle sobre a taxa de natalidade é um grave recesso econômico que se segue a um período de fartura. Grande parte região central do segundo gráfico “sobe” até o topo (a razão principal disso é o aumento da expectativa de vida), e o que ocorre é um crescimento desproporcionado da população não economicamente ativa. Mas, quando o governo finalmente abre os olhos, já é tarde demais para frear o processo.

Outro dos postulados dos que defendem o controle de natalidade é aquele que se baseia no argumento segundo o qual na hipótese do número de habitantes de certo país elevar-se de forma descontrolada, pode não haver mais espaço para todos e, a bem dizer, a Terra já se aproximaria do limite de saturação de homens. Bem, este tipo de colocação deveria entrar para o rol de piadas do século: se fizéssemos a conta de quantos quilômetros quadrados ocupa toda a população mundial em pé, verificaríamos que este espaço é de 12.000 km², ou seja, um quadrado de lados de 110 km, o que é menor que a cidade de São Paulo (isto considerando que cada indivíduo ocupa, em pé, 2 m², o que é muito, evidentemente). No planeta, ainda há espaço “para dar e vender”.

quarta-feira, maio 17, 2006

Controle Populacional: o que há por trás da cortina de fumaça? - Parte I

A primeira das teorias que defendem a redução dos índices de fertilidade populacional foi elaborada por um clérigo anglicano do século XVIII chamado Thomas Robert Malthus, muito conhecido por sua tese de que a população cresce em proporção geométrica, enquanto que os alimentos são produzidos em proporção aritmética (Ensaio sobre o Princípio da População, 1798). O resultado lógico destas premissas perfaz-se na atemorizante idéia segundo a qual tempos virão em que não haverá maneira de alimentar a todos os seres humanos, restando demonstrada, portanto, a necessidade de um controle sobre o crescimento da população mundial.

Mas a História se encarregou de contradizer a teoria malthusiana. De fato, o advento da Revolução Agrícola trouxe consigo o surgimento dos adubos químicos, dos agrotóxicos, do milho híbrido e do trigo melhorado, utilizados pelo que passou a se denominar agricultura intensiva, levando a produção de alimentos a um crescimento geométrico. Daí a desnecessidade do controle.

Mesmo assim, a nova teoria foi reformada por um grupo de intelectuais, dando origem ao Neomalthusianismo, que consiste basicamente na seguinte afirmação: os recursos naturais são escassos, e o aumento populacional há de levá-los ao limiar do esgotamento e a uma conseqüente crise econômica mundial. Logo, torna-se necessário manter a taxa de natalidade em 2.14 filhos por casal, que é a média ideal para reduzir a zero o crescimento da população. Esta sustentação foi ainda reforçada pelo chamado Clube de Roma, que em 1975 lançou a obra The Limits to Growth, em que se enfatiza o argumento segundo o qual não se pode ter em conta apenas os recursos, mas também as suas interações (por exemplo, as brocas que são necessárias para a extração do petróleo, para a fabricação das quais se utiliza um metal raro). Considerando o crescimento populacional geométrico, o Clube de Roma previa que o fim do mundo estava marcado para 1992 (...).

O primeiro economista que contrariou esta tese foi Axel Kahu, diretor do Hudson Institute. Suas considerações, após um longo e detalhado estudo, foram de que, na verdade, a definição da escassez de um produto particulariza-se segundo seu preço, e este é relativizado pelo poder de compra da população. Ora, se o número de habitantes aumenta, o custo do recurso cai (uma relação inversamente proporcional). Também o número de jazidas cresce, pois a extração se torna mais viável e o seu preço é compensado. Na realidade, para a economia as únicas coisas que não podem vir a faltar são o silício, o calcário, o carbono e o ferro: em termos econômicos, os recursos não têm valor em si, mas na medida em que desempenham a sua função. Quando surge um recurso que exerce a mesma atividade de outro, há a substituição deste, e o melhor exemplo brasileiro disso é o Proálcool. Axel Kahu elaborou um gráfico no qual se verifica que a maior relação entre o preço dos recursos não renováveis e o poder aquisitivo da população mundial até 1980 verificou-se na década de 50, quando o mundo presenciou o baby boom.

Mas há ainda a velha tese do “bolo que é repartido”, muito difundida por todos os livros de Geografia do Ensino Fundamental e Médio no Brasil. Pode-se resumi-la no seguinte raciocínio: considerando que a Terra produz atualmente uma quantidade X de alimentos, e mesmo assim há pessoas que passam fome, se o número de indivíduos chegar ao nível de uma superpopulação haverá uma crise de fome que os homens jamais presenciaram na História. Esta posição malthusiana, não obstante a própria Revolução Agrícola (e o surgimento da agricultura intensiva, portanto) haver provado o oposto, tem sido amplamente veiculada ainda nos dias de hoje.

Um dos únicos economistas que foram contra esta corrente (hoje não mais aceita pela maioria dos estudiosos no assunto) foi Julian L. Simon (1932-1998), também pertencente ao Hudson Institute, e que resolveu o assunto nos seguintes termos: a idéia do bolo que é dividido entre muitos é simplesmente falsa, pois as pessoas também são produtivas. Ora, se 2.500 pessoas comem, 300 produzem bolo, e haverá bolo o bastante para uma festa.

Uma semana antes de falecer, Julian Simon foi à Espanha para receber o título de doutor honoris causa pela Universidade de Navarra, onde concedeu uma entrevista reproduzida no jornal espanhol Aceprensa, na qual declarou, entre outras coisas, que “em relação à disponibilidade dos recursos naturais, não há evidência científica de que estejam limitados. A medida da escassez é o preço (isto é uma regra básica da economia), e os preços de todos os recursos naturais caíram. Em 1973, com a crise do petróleo, a maioria dos recursos subiu de preço, mas depois voltou a baixar e está abaixo dos níveis anteriores.” Em outra parte da entrevista, Julian continua: “Em relação aos economistas que tratam da população, existe um consenso sobre o fato de que um aumento da população não afeta de modo negativo o crescimento econômico. Pessoalmente, vou um pouco mais longe ao afirmar que este aumento não só não é negativo, mas é positivo. À maior população, corresponde maior e melhor situação econômica. E com isto alguns não concordam. Em geral, os economistas destas matérias estamos de acordo. Atualmente eu pertenço à maioria”.

Outro defensor mais recente das mesmas idéias foi Peter Bauer (1915-2002), professor de Economia da Universidade de Cambridge e da London School of Economics, autor do ensaio “Crítica da Teoria do Desenvolvimento”, que em uma conferência sobre População, desenvolvimento e meio ambiente esclareceu que “atualmente, as grandes fomes ocorrem principalmente em regiões com economias de subsistência e escassa densidade populacional, como Etiópia, Tanzânia, Uganda e o Congo. Nesses países a terra é abundante e, em algumas regiões, gratuita. A recorrente falta de alimentos nesses e em outros países em desenvolvimento reflete traços de economias de subsistência, como a vida nômade, os cultivos intermitentes e a falta de meios de transporte e de armazenamento. Essas condições se agravam pela instabilidade política e pelas restrições oficiais ao comércio, ao movimento de produtos agrícolas e às importações de bens de consumo e de recursos financeiros para a agricultura. Por último, os mais pobres podem sofrer duras privações se alguma catástrofe reduz repentinamente a sua renda disponível. Nenhum desses fatores, entretanto, têm relação com o crescimento populacional”. A relação território-população, portanto, nada tem com o nível de desenvolvimento de um país. A China e a Índia, a título de exemplo, possuem um quociente território-população maior do que a Holanda e a Alemanha.

terça-feira, maio 16, 2006

Controle Populacional: o que há por trás da cortina de fumaça? - Introdução

“The idea that humanity is multiplying at a terrible and accelerating rate is one of the false dogmas of our times. From that notion springs the widely held belief that unless population growth is immediately contained by every governmental and private method imaginable, mankind faces imminent disaster. These ideas form the basis for an enormous international population-control industry that involves billions of dollars of taxes as well as the full time efforts of scores of private philanthropies. Embodied in their agenda is the sort of social planning that actually mandates draconian control over families, churches and other voluntary institutions around the globe.”


(The War Against Population, Jacqueline Kasun)


Deveria causar uma certa surpresa em qualquer um o fato de que as pessoas são, por vezes, demasiadamente crédulas e, ao mesmo tempo, céticas terríveis. Pode-se vacilar diante de coisas que não são evidentes por si mesmas, porque isso faz parte do processo cognitivo humano, mas o estranho é haver indivíduos que duvidam precisamente porque crêem, sem aparentes motivos, em que a realidade é aquilo que eles acham, ainda que ela grite aos quatro ventos que não é assim. Ora, os fatos, via de regra, são mais complicados do que aparentam: explicar a trajetória dos raios solares até a Terra é mais complexo do que apenas aceitar que a luz existe. O cosmos carece desta trivialidade infantil, e a própria ciência é testemunha de que ele mais se assemelha a um emaranhado de fita cassete que queremos a todo custo desembaraçar para ouvir a música – a música dos anjos, talvez.

Ao que parece, contudo, ainda existem pessoas que negam esta asserção da mais básica obviedade, e pretendem explicar toda uma intrincada rede de acontecimentos com uma forte e ingênua idéia, colocando fora de suas considerações uma gama enorme de coisas. Com efeito, os reducionismos argumentativos exercem sobre intelecto do público incauto um forte atrativo sedutor, comumente amplificado pelo fato de que eles raramente – ou quase nunca – são elaborados em detrimento daqueles que os defendem. O próprio nazismo, caro leitor, não passou de uma burra, sedutora e – porque não dizer? – engenhosa idéia: “os culpados pela derrocada alemã foram os judeus”. A partir daí, vieram todos os horrores do holocausto.

Felizmente, entretanto, o tempo sempre se encarregou de demonstrar o absurdo de certas teorias, muitas vezes forçando a humanidade a reconhecer sua pouca inteligência. Do apartheid ao fascismo, do arianismo à União Soviética, o fato é que não podemos mais ignorar o clamor dos milhões de mortos, que nos convocam a sair de nossas ilusões. A História vem como a chuva, limpando os vidros para que vejamos com mais nitidez aquilo que antes não era possível.

Ainda assim, como é natural, se nem todos têm consciência da falsidade de certos argumentos simplórios, nem toda a cortina de fumaça que os envolve foi dissipada. Muitos deles, que tiveram nascedouro ao longo do século XX, permanecem ainda hoje como baluartes da opinião geral – dita pacífica, mas que nem sempre o é –, nada mais que a velha doxa grega. E um dos maiores exemplos pode ser encontrado precisamente nas afirmações utilizadas para justificar a necessidade do controle de natalidade, algo considerado indiscutível pela communis opinio, e que, todavia, esconde por detrás de seus raciocínios os mais diversos sofismas, simples e convincentes como os algodões doces, e como eles, frágeis ao mais leve toque de saliva. Vejamos.

domingo, abril 16, 2006

A casa do tempo perdido

Drummond

Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.
O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.

sexta-feira, abril 14, 2006

Simplesmente Cristianismo

Já dizia um sábio que os melhores livros estão comendo poeira nas prateleiras dos sebos. De fato, é uma pena que certas obras primas estejam fadadas a dois destinos: passar um bom tempinho cozinhando em banho maria até que um leitor perspicaz descubra um tesouro entre as mãos ou, o que é mais comum, não ser reconhecida nunca.

Mero Cristianismo é um desses clássicos que por uma fatalidade inexplicável não se tornou um clássico. Creio, porém, que podemos conjeturar algumas hipóteses sobre o porquê disto: a primeira, que sendo Lewis de religião anglicana o livro não atraia o público cristão restante; a segunda, que tratando o livro de um tema cristão, não desperte o interesse daqueles que não acreditam em Cristo ou que simplesmente não crêem em nada; a terceira, que o próprio título afaste o leitor por um motivo, literalmente, de mera semântica: a palavra mero pode assumir um significado pejorativo que lhe cause repulsa.

Contudo, o “mero” a que C. S. Lewis se refere não possui nenhuma conotação negativa, antes pretende transmitir a idéia do Cristianismo como um todo; aquilo em que todas as religiões cristãs convergem. Melhor seria, portanto, se o título original “Mere Christianity” fosse traduzido por “Simplesmente Cristianismo”, pois assim se evitariam certos desdéns que acaso o leitor pode ter à primeira vista, como a primeira edição em língua portuguesa ambicionou fazer traduzindo-o por “Cristianismo Puro e Simples”.

Mas a obra não é apenas destinada a um grupo restrito de crentes. Arrisco dizer que um agnóstico pode desfrutá-la sem que isto lhe provoque nenhuma crise de “fé” - dependendo, é claro, do tamanho desta “fé”, porque os argumentos dos quais se utiliza Lewis são de uma clarividência gritante. Mero Cristianismo é mais que um livro religioso - é um ensaio de filosofia, uma explicação do motivo pelo qual os cristãos crêem e as conseqüências ascéticas que derivam disto. Quer dizer, se você não acredita em que Jesus Cristo é Deus e homem, isto de maneira alguma deve impedi-lo de ler o livro, pois ao final da leitura ao menos saberá o porquê de suas reservas quanto ao Cristianismo. Por outro lado, se você é católico não tem com o que se preocupar. Digamos que para a conversão de Lewis à Igreja Católica Apostólica Romana faltou realmente muito pouco - um pequeno salto, em que pese a orientação de seus amigos católicos como J. R. R. Tolkien.

O prefácio da edição brasileira por Henrique Elfes é bastante elucidativo quando anota que Mero Cristianismo “É uma das obras centrais e mais populares de C. S. Lewis. Dirige-se primariamente a um público descristianizado em ampla medida, a esse ‘homem moderno’ que recebeu uma certa cultura científica na escola e na Universidade, mas pouca ou nenhuma cultura humanística ou teológica.”

Alguns capítulos do livro são realmente geniais. Para aqueles que nunca acabaram por entender completamente o que significa o Direito Natural indico os três primeiros capítulos, “A Lei da natureza humana”, “Algumas objeções” e “A realidade da Lei”. Neste mesmo contexto insere-se o primeiro capítulo da Parte III, “As três partes da Moral”, que é de uma lucidez incrível. Por fim, ainda na parte III destaca-se o capítulo VIII, chamado “O grande pecado”, que trata sobre o problema do pecado raiz de todos os pecados: a soberba ou, se preferirem, o orgulho.

Finalmente, para aqueles que se interessem em adquirir o livro, Mero Cristianismo foi lançado pela editora Quadrante de São Paulo.

quarta-feira, abril 12, 2006

Nascuntur poetae, fiunt oratores

– Os poetas nascem, os oradores se fazem.

sábado, abril 01, 2006

Lição de Modelagem

A Affonso Arinos Filho

Old Library, All Souls,
Advento de oitenta,
oitenta e um; alguém
passa e me cumprimenta,
já não recordo bem
se deixa a sala ou entra:
estou pasmo entre o Nada
e o Espírito, o Nôus...
Já quase de madrugada,
lendo Santo Irineu
sinto-me estupefato!
Confronta-me um retrato
da humana imperfeição
tão terno e tão exato
que corta o coração,
pelo menos o meu:
músculo de um ofício
de doidos, o impropício
arremedo de Orfeu,
outra vez desconfio
da maneira tranqüila
com que balança, oscila
para-lá-para-cá,
paráfrase do fio-
de prumo- no vazio
“ entre o orgulho, a argamassa
e o sonho do edifício”
diz-nos Santo Irineu.
E diz mais! Diz que a graça,
essa isca do Cristo,
depende do exercício
de uma certa omissão
por parte da criatura,
que é preciso omitir-se
com mais desenvoltura...
Agora escutem isto:
como se não bastasse,
com uma tal novidade,
julgo entrever a face
do santo lá na altura
a vigiar-me e rir-se
com justa hilariedade
dessa alucinação!
Redebruço-me, sério,
sobre o velho volume
em tinta de Nankim,
com dobras de marfim
numa capa rugosa,
aspiro-lhe o perfume
de tempo, de mistério,
e recomeço a ler.
Admiro-lhe a prosa,
mas que me diz? Que fé,
caridade, esperança,
e o que ante o precipício
sustenha a alma de pé,
dependeriam até
de algo ainda mais difícil
de obter e manter...
- E isso agora, o que é?
desafio-o em voz alta,
e o santo não se priva
de chamar à alma “a altiva
e pobre soberana...”
Cheio de cortesia
e paciência, diz
que a coitada se engana,
que o que mais lhe faz falta
é uma desconfiança,
que a criatura é infeliz
porque não desconfia!

II

Sim, mas naturalmente
do erro, da heresia,
de que esta vida é triste
porque a carne é doente,
digo-lhe (ou penso) eu;
e aí Santo Irineu
ri-se outra vez e insiste
que não é isso, “ é quase...”
Já na próxima frase
insinua a noção
de que, afora o poltrão,
só o tolo resiste
a uma outra solução
bem mais simples: saber
viver, morrer um dia,
enfim dependeria
apenas de aceitar
de todo o coração
cada fraqueza humana
(como uma elocução
do drama da razão,
digo-me eu, da arcana,
doce e cotidiana
agonia da luz...).
Há o pânico da Cruz
que nos pesa no dorso
e não poupa ninguém,
é claro, mas também
há uma ideologia
que glorifica o esforço,
há um terror de errar,
especialmente o medo
de não acordar cedo!
Com a mais fina ironia
e toques de poesia,
aquela pena aos poucos
vai bordando entre os loucos
arroubos da criatura
uma noção mais leve,
mais doce, da aventura,
da alma, esse caroço
enfurnado no poço
do orgulho, entre as loucuras
da mente... O santo escreve
seu agudo compêndio
para apagar o incêndio
da heresia, mas ri-se
da suprema tolice
do ser, dessa premura
em aperfeiçoar,
não a alma: “ a carcaça
que aloja essa criança”
( diz ele) cujo lar
ela põe-se a arrumar
quase sempre demais,
até que o destrambelha
e lhe cai outra telha
na cabecinha oca;
que a alma durma de touca
pois muita ascese cansa,
diz e rediz o santo;
mais vale por enquanto
deixar a carne em paz,
não tentar encaixar
cada coisa em seu canto,
mas calmo, quieto, mudo,
pôr-se a desconfiar
de si mesmo e de tudo.

III

Desconfiar do vício
de viver como o ateu,
que ainda não entendeu
que a vida não é a soma
ou a multiplicação
do esforço pelo ato;
o ato de quem toma
vitaminas diárias
para fortalecer
pela musculação
as pobres alimárias
do arcabouço do ser...
Que não é nada disso
o bom homem me disse
numa sala vazia,
numa biblioteca
cheia de velhos lenhos
e belos pergaminhos:
disse-me que o caminho
de quem resiste aos demos,
mas assim mesmo peca
por conta dos extremos
em que a alma balança
e vai que nem peteca
no ar de não em não ;
que a melhor solução
para quem viva assim
é largar dos disfarces,
cair fora da dança
antes que chegue ao fim,
e enfim resignar-se
(quem diria!) a pecar
antes por omissão!
Omitir os enganos
do culto da razão,
que quer a perfeição
como carpintaria;
omitir-se de amar,
como um peso nos ombros,
as solenes vitórias
do asceticismo brutal
sobre os pobres escombros
da carne natural;
omitir-se das glórias
de alcançar, que não passam,
por isso, de vanglórias
entre a página breve
e a mão de quem a escreve
entre os vermes e as traças.
Ir omitindo tudo,
ir omitindo tanto,
o lamento, o acalento,
a elegia e o louvor,
que, omissa até o absurdo,
a alma torna-se leve
viração no arcabouço
do corpo, dessa argila
que miniatura abismos
no desenho dos ossos
e dos nervos, grafismos
de bom desenhador...

IV

Quanto à soma intranqüila
de tudo o que sobrar
do que não conseguimos aperfeiçoar
(não por falta de estímulo,
mas por desconfiar
da perene ambição
de sermos nós os nossos
melhores arquitetos),
tudo aquilo não passa
de indiferença à graça,
na pompa e na soberba
dos sonhos do intelecto
que se presume autônomo
e, agindo como tal, acaba por supor
em si mesmo o fiscal
do seu próprio labor,
da sua inania verba,
do seu louco metrônomo,
da sua fruta acerba,
ou seca como o erro
do orgulho no desterro
de uma biblioteca.
Em sua apologética,
seu humilde serviço
ao nosso entendimento,
o santo diz ( e como!)
que o espírito enfermiço
não tem desconfiômetro,
pois tudo, tudo isso
cabe num só momento;
que existe outra maneira
de conceber o fruto
do sonho que minuto
a minuto a alma tece;
que basta não pedir
nem de nós nem da mão
que nos vai esculpindo
segundo por segundo,
mais que a resignação
e o acaso do projeto,
geométrico e lindo,
mas cego, do intelecto
que pensa que conhece
sempre de antemão
resultado e intenção.
Basta não resistir
e deixar-se esculpir,
amolecendo os ângulos
e trocando os retângulos
da vontade, sincera
mas quase sempre errada,
pela entrega encantada,
serena, da matéria
à alma luzidia
e ao gesto do Escultor ,
ambos puro mistério.

V

Inverno ou não Inverno,
a luz das madrugadas
em Oxford é mais fria
do que os gelos eternos
e aquela aquele dia
era das mais geladas;
inclinei-me a cadeira
um pouco para trás,
contemplei os vitrais
que a deixavam passar,
depois a cumeeira,
e, como disse antes,
vi (ou sonhei que via)
Santo Irineu jogar
lá de cima os brilhantes
de uma luz que caía
vívida como a lava
sobre o último breu
de uma sala vazia.
Voltara a última página
de Adversus Hereses
e, já que delirava,
imaginei o bom,
o sutil Irineu
feito bispo em Lyon,
pregando aquela tese
ante uma diocese
repleta de pagãos.
Revi-lhe quase as mãos
afinando o instrumento
como a apurar-lhe o tom,
e pensei que, a um momento
de desfalecimento,
por conta de um cansaço
em tudo igual ao meu,
um dia aquele homem
rodeado de loucos
havia com certeza
abandonado a mesa
,sacudindo os braços
pesados de saber,
quase que sem querer
esbarrara nos ocos,
nos vazios do ser;
vi-o diante de mim
como lia o seu nome
naquele pergaminho
e, olhando para os lados,
disse-me bem baixinho:
- “É uma bênção que a voz,
tão cheia de cuidados
de um venerável monge,
venha-nos de tão longe
consolar-nos a nós;
é doce ouvi-lo assim,
irônico, cansado,
metamorfoseado
em livro com desenhos
e capa de marfim,
mas tão pouco mudado
quase estes velhos lenhos
que ainda são como a árvore...”

VI

Pelo intenso fulgor
com que a luz se estendia
sobre as vigas e mármores,
suspeitei do outro lado
um dia ensolarado,
uma ocorrência rara
lá por aquelas bandas;
pensei ir à varanda
certificar-me, quis
erguer-me e não podia:
no brilho, no verniz
dos velhos assoalhos
a luz daquele instante
fazia como o orvalho,
cada gotinha clara
imitando um diamante
caía saltitante,
corria um tanto a esmo
e logo recobria
de uma tapeçaria
de ouro vivo até mesmo
o mais puro, o melhor
mármore de Carrara.
Bem um quarto de hora
olhei aquela sala,
o que lhe acontecia;
mesa, poltrona, estante,
eu sabia de cor
forma, textura e cor
de tudo ao meu redor, e ainda assim agora
vivia uma das cenas
mais belas deste mundo:
olhava lá do fundo
toda a extensão da sala,
no entanto via apenas
uma espécie de opala
salpicar-se de prata,
de ouro branco, de amor...
- “A aurora é como a Lei
( pensei um tanto à toa),
frágil como a garoa,
é ao mesmo tempo o manto
e a coroa do Rei...”
Quando me levantei
e fui repor o santo
na posição exata
em que o havia encontrado,
deti-me junto à estante
e, a ponto de ir-me embora,
fiz o Sinal da Cruz
louvando aquela luz,
o fogo delicado
da mais suave ancila
entre a variedade
das que da eternidade
obram pelo Senhor.
E das dobras da mente
às espirais do umbigo
alguém falou comigo:
- " A graça é como a aurora,
a cada dia invade
este lugar antigo
silenciosamente,
não como quem melhora
uma sala tranqüila,
como quem modifica
a grave majestade
de uma biblioteca
tornando-a ainda maior.
A alma, por pior
que se esforce, só peca
quando se petrifica...”


O mundo como Idéia --- Bruno Tolentino

quarta-feira, março 29, 2006

O Caso do Descaso

As mais inocentes sensações de bem-estar têm um quê de capeta. Esta é a conclusão a que cheguei após muito refletir no andamento de certos fatos do passado e do presente. Reconheço que é praticamente inútil escrever sobre assuntos de índole geral, que via de regra tornam-se pouco atrativos - e acaso estéreis. Mais ainda: analisar as pessoas e seus comportamentos causa-me tal enfado que acabo por crer que sou apenas um entre muitos daqueles que desejam transpor todos os obstáculos deste mundo e do outro (já dizia Machado). Contudo, o leitor há de desculpar-me pela falta de originalidade; a repetição é uma arte, e poucos sabem repetir com elegância.

Acalmemos a curiosidade, e digamos logo a que vem este texto, e do quê ou de quem é a culpa - ou se é dos dois. Resolvo pela terceira hipótese; a primeira, não sendo mais que uma palavra, não completa o sentido nem o motivo, e deixaria-me devedor, uma vez que quem deve parte permanece insolvente. Tal é o vocábulo que me refiro: farisaísmo. A outra concausa, minha bisavó - e que Deus a tenha.

Às bisavós costuma-se chamá-las santas; a minha não sei se o foi, apenas que era minha bisavó e que tinha o dom de definir as coisas. Alguns diriam mesmo que era dessas que possuem um princípio ontológico inato: certo ou errado, sem nenhum méson - e que bendita fúria lhe trazia a confusão destes dois termos! Chego a temer que haja falhado seu requiescant in pace, pois ainda hoje deve se revirar no túmulo ao ver ou ouvir (ou qualquer verbo de sentido espiritual que desconheça) certos indivíduos da fauna intelectual que se apresentam como baluartes do politicamente correto.

Ora, vejam vocês: tais pessoas padecem antes de uma doença espiritual do que física ou psicológica; são fariseus modernos, como dizia minha biza, na melhor (ou pior, quem sabe) acepção bíblica da palavra. Seu diagnóstico é simples: o descaso com o conteúdo e a adoração da forma, de maneira que os politicamente corretos poderiam receber a mesma censura do Mestre: “sepulcros caiados” - alvos e límpidos por fora, mas cheios de vermes e odores fétidos por dentro.

Ser politicamente correto não é ter respeito pelo próximo, mas é esquecer-se dele. Devemos dizer que um gay é uma abominação não apenas para cuspir-lhe na face uma verdade nua e crua, mas para que ele enxergue o que é correto (verdadeiramente correto) e mude. É por isso que fico indignado (talvez seja algo hereditário) quando certos sujeitos dizem “cada um na sua e eu na minha”, porque essa é a maior fraude sentimentalóide que existe. Quem se explica dessa forma não quer a liberdade do próximo, mas que o próximo vá às favas.

O xis da questão, no entanto, é que este não é um caso de ignorância ou de desconhecimento da verdade. As pessoas sabem o que é a verdade, mas a guardam em uma caixa de sapatos debaixo da cama, que só é aberta quando ela mesma parece afetada. Falar que um gay “é uma pessoa como outra qualquer” é fácil, mas se seu filho se tornar “uma pessoa como outra qualquer”, bem... uma calibre doze não será o bastante. É certo que o descaso tem, por vezes, sua gota de prazer. Ser indiferente proporciona algum distanciamento da controvérsia, ao mesmo tempo em que justifica a não-condenação. Mas isso simplesmente é terrível, pois este “sentir-se bem” implica em que o outro continue como está: sozinho, perdido e no caminho errado. Sim, caros leitores, as mais inocentes sensações de bem-estar têm um quê de capeta.

sexta-feira, março 24, 2006

Galileu e Copérnico: queimados na fogueira?

Sinopse de um artigo publicado por D. Estevão Bittencourt em 1999 sobre algumas lendas que se contam acerca da História da Igreja.

Nicolau Copérnico nasceu aos 14/02/1473 em Torun (Polônia) e faleceu em Frauenburg (Polônia) aos 24/05/1543 de morte natural, em santa paz com a Igreja. Estudou Astronomia e Matemática Universidade de Cracóvia e, por três anos, Direito Canônico em Bolonha (Itália). Em 1500 lecionou Astronomia na Universidade de Sapientia de Roma. Voltou para a Polônia em 1505 e foi nomeado Cônego da Catedral de Frauenburg, onde continuou seus estudos. Com efeito: Copérnico, usando de poucos e modestos instrumentos, fabricou uma lente, que ele colocou sobre uma torre perto da catedral e pôde, entre outras coisas, observar o fenômeno da precessão dos equinócios.

Em 1530 Copérnico começou a escrever a sua famosa obra De revolutionibus orbium caelestium libri sex (Seis Livros sobre a Revolução dos Corpos Celestes). Teve notícia dessa iniciativa o Cardeal Nicolau Shönberg em 1536, o qual aprovou o empreendimento. Antes de morrer Copérnico dedicou tal obra ao Papa Paulo III, cultor da ciência astronômica, que aceitou tranqüilamente a dedicatória, sem lhe opor objeção. Segundo Copérnico, o sol ocupa o centro do sistema planetário, em torno dele giram os planetas em órbitas circulares. Tal concepção encontrou exígua acolhida na época, de tal modo estava arraigada a teoria geocêntrica que não somente a bíblia, mas também a observação astronômica dos séculos anteriores pareciam ensinar. Por conseguinte Nicolau Copérnico não foi incomodado por causa de suas idéias e morreu em paz com a Igreja no ano de 1543.

Galileu Galilei soube de um aparelho inventado por um holandês que permitia ver objetos afastados com nitidez (telescópio). A partir dessas informações construiu um telescópio com melhores características e com ele fez muitas descobertas. Essas descobertas foram publicadas em 1610 e trouxeram uma grande popularidade a Galileu. Entre os que o cumprimentaram e admiravam o seu trabalho, estavam o astrônomo Kepler e o matemático jesuíta Clavius. Por outro lado, os aristotélicos reagiram violentamente, inclusive duvidando da competência de Galileu como pesquisador.

Em 1611 Galileu esteve em Roma e foi muito homenageado por cientistas e nobres. Foi recebido como membro da Academia dei Licei. Os Jesuítas (muitos dos quais eram professores e astrônomos) dedicaram-lhe uma festa acadêmica no Colégio Romano, com a presença de duques, condes , muitos Prelados e alguns Cardeais. O próprio Papa Paulo V concedeu-lhe audiência.

Galileu defendeu irredutivelmente a teoria do heliocentrismo até o fim de sua vida . O fato é que Galileu não dispunha de provas concretas ou convincentes. Aprova que insistia, do fluxo e refluxo das marés, estava errada. As marés são causadas pela força gravitacional da Lua e do Sol. Ademais, se fossem causadas pela rotação gravitacional da Terra, deveria haver só uma maré por dia, e não duas. Acenou, como prova, para os ventos alísios, mas não pôde quantificar o fenômeno. E aí estava certo, pois o desvio para o Oeste dos ventos que sopram para o Equador em ambos os hemisférios é causado pela rotação da Terra.

Em conclusão: não tinha provas científicas. Por isso , em vez de usar de argumentos físicos, Galileu recorreu a argumentos bíblicos citando trechos que, tomados literalmente, defendessem a teoria do Heliocentrismo (como por exemplo o Salmo 96, 9: “Diante d’Ele estremece a Terra inteira.”

Essa insistência de Galileu em usar de argumentos bíblicos, aliado ao seu temperamento polêmico (diz a Enciclopédia Mirador Internacional que Galileu era “de um estilo de grande veracidade, freqüentemente irônico e mordaz...”) fizeram com que entrasse em conflito com a Igreja, resultando em dois processos inquisitórios que acabaram sem grandes conseqüências.

Em 1637 fica cego. Em 1638 publica o livro “Diálogo das duas novas ciências”, que são a Resistência dos Materiais e a Mecânica Racional, básicas para vários ramos da engenharia. Morre em 08/01/1642, assistido por um bom sacerdote, como bom católico.

A Inquisição e os Cientistas

Seria para desejar que os críticos contemporâneos conhecessem melhor os temas que eles criticam, a fim de não cometerem injustiças em nome da justiça.

Nicolau Copérnico, como já foi dito, não foi incomodado por suas idéias e morreu em paz com a Igreja em 1543.

Galileu Galilei, por sua insistência em provar a teoria do heliocentrismo através de argumentos exegéticos, sofreu dois processos inquisitórios (um em 1616 e o outro em 1633). O primeiro processo foi aberto devido ao fato de que Galileu queria forçar uma decisão urgente da Sagrada Congregação do Índex (Inquisição Romana) para que certas passagens da Escritura fossem interpretadas de modo diferente da usual havia séculos (de modo que a teoria do heliocentrismo fosse favorecida).

Foi advertido para que deixasse o lado teológico da questão e usasse apenas argumentos das ciências naturais para justificar o sistema heliocêntrico. O Cardeal Berlamino recomendou prudência a Galileu, dizendo que não apresentasse o sistema como verdade definitiva (o que não existe na ciência; nesta nada é definitivo), e que não forçasse reinterpretações da Sagrada Escritura enquanto não houvessem provas demonstrativas. Porém Galileu continua, com seu estilo polêmico, a discutir.

Em 24/01/1616, em sessão do Santo Ofício, os consultores apresentam o seu parecer sobre a controvérsia: a teoria do sol fixo é considerada absurda do ponto de vista filosófico e formalmente herética, por estar em contradição com várias passagens da Sagrada Escritura, de acordo com o sentido literal e a interpretação corrente dos Padres da Igreja. A teoria da Rotação da Terra e Translação em torno do Sol também é considerada falsa e absurda do ponto de vista filosófico, e errônea na fé.

No dia seguinte, há uma reunião dos cardeais, sob a presidência do Papa Paulo V, para avaliar o parecer dos consultores e pronunciar uma decisão. Foram tomadas duas medidas:

1º- O Cardeal Belarmino é encarregado de, em audiência particular, convencer Galileu a abandonar a teoria copernicana. Galileu nega-se a tal. Recebe, então, de Belarmino, diante de um comissário da Inquisição e de outras pessoas, o preceito formal de não sustentar, ensinar ou defender tal teoria. Galileu promete obediência. Não houve processo formal, nem sentença, abjuração ou penitência.

2º- Por decreto da Sagrada Congregação do Índex, foram proibidos os livros de Copérnico, de Foscarini e, de modo geral, dos que defendiam o heliocentrismo. Nenhuma referência nem ao nome nem à obra de Galileu.

Observa-se que a obra de Copérnico, já com 80 anos, até então havia sido deixada pela Igreja Católica à livre discussão, e havia eclesiásticos que a defendiam. E nela baseou-se a reforma do calendário em 1582. O que provocou, depois de tanto tempo, sua proibição foi a atitude de Galileu, querendo impor como certa , verdadeira, uma teoria para a qual não tinha provas objetivas. Lançando mão de razões exegéticas e insistindo em uma reinterpretação da Bíblia, Galileu acabou forçando uma decisão imatura e lamentável da Sagrada Congregação do Índex.

O segundo processo foi resultado de uma desobediência disciplinar. Depois da aparição de três cometas em novembro de 1618, Galileu escreve um livro: “Diálogo Sobre os Dois Sistemas Máximos do Mundo: O Ptolomaico e o Copernicano”. Galileu comunicara ao Papa Urbano VIII que pretendia escrever esse livro. O Papa o apoiara , aconselhando-o, porém, a não entrar em conflito com o Santo Ofício e a tratar o sistema de Copérnico como hipótese.

Galileu vai então a Roma obter o necessário “Imprimatur”. O encarregado, o Pe. Riccardi (seu amigo) concluiu que eram necessárias algumas modificações: mudar o título, que era de “Diálogo Sobre as Marés”, porque destacava muito o único argumento (e errado) de Galileu para provar o sistema copernicano, alterar algumas passagens e alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como verdade segura, mas sim como hipótese.

Em suma: Galileu, que iria imprimir o livro em Florença, argumentou com a peste, que dificultava a comunicação enter as duas cidades. O Pe. Riccardi concordou com o exame da obra em Florença, bastando enviar à Roma o título e o Prefácio.

Em Florença, Galileu consegue que o revisor seja outro amigo seu, Stefani, que foi induzido a pensa que a obra já havia sido aprovada em Roma. Stefani concedeu autorização. O título e o Prefácio foram enviados a Roma e o livro foi publicado em 1631.

Quando Riccardi recebeu um exemplar da obra completa, viu com surpresa que, antes da aprovação florentina, figurava a sua. E sem nenhuma correção no corpo do livro: o sistema copernicano era apresentado em toda a obra, exceto no prefácio, como verdade incontroversa. Urbano VIII, pressionado pelos inimigos de Galileu, e considerando a desobediência formal de 1616, passou o assunto à Inquisição. A obra foi examinada e censurada em oito pontos, esclarecendo nas conclusões que todos eles podiam ser corrigidos. Mas, acrescentava, a desobediência era um agravante.

Galileu, chamado a Roma para julgamento, depois de vários adiamentos, lá chega em 12/02/1633. Hospedou-se no palácio do embaixador de Florença inicialmente, e depois passou a residir no edifício da Inquisição, em aposentos do fiscal da Inquisição, “cômodos e abertos” (nada de aprisionamentos em masmorras, “a pão e água”, como diz uma das lendas). Foi submetido a quatro interrogatórios. No último interrogatório (em 21/06/1633), quando lhe perguntaram se defendia o sistema copernicano, respondeu negativamente.

No dia seguinte, em Decreto do Santo Ofício, é publicada a sentença na qual consta: “...é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure, maldiga e deteste ditos erros e heresias...”. Galileu ouviu de pé e com a cabeça descoberta a leitura de sua condenação (três anos de prisão; recitação semanal dos sete salmos penitenciais, por três anos). Depois, de joelhos e com uma mão sobre os Evangelhos, assinou um ato de abjuração, no qual declarava que era “justamente suspeito de heresia”.

Nesta ocasião, Galileu teria exclamado, batendo o pé no chão: “E pure si muove” (e todavia se move). Lenda inverossímil, dadas as circunstâncias (estava de joelhos). É uma fantasia que apareceu pela primeira vez em 1757 (mais de um século depois), em obra de Baretti. Além das penas pessoais, também foi proibido o livro de Galileu.

No dia seguinte, a sentença é comutada pelo Papa. Galileu vai viver no palácio do Embaixador de Florença depois passa para a casa do Arcebispo Piccolomini, seu discípulo e admirador, em uma espécie de prisão domiciliar. Foi-lhe permitido voltar a Florença em 10/12/1633, cinco meses e oito dias depois da condenação.

Embora reconheçamos que o segundo processo teve, como gravame, a vaidade e a insinceridade de Galileu, devemos todavia lamentar profundamente a primeira condenação de 1616 como inquietante erro judicial, e como abuso de poder diretamente catastrófico em suas conseqüências.

À guisa de complemento, convém notar que, aos 31/10/1992, o Santo Padre João Paulo II reconheceu o erro dos teólogos do século XVII. A condenação de Galileu por parte do Santo Ofício não afeta a infabilidade do magistério da Igreja, pois esta só se exerce em matéria de fé e Moral; o assunto abordado no debate entre Galileu e os teólogos era de ciências naturais... ciências que, segundo a mentalidade do século XVII, deveriam aprender da Sagrada Escritura a concepção geocêntrica.

Bibliografia: Pergunte e Responderemos Ano XL – Novembro 1999, Nº 450

terça-feira, março 21, 2006

A Máquina do Mundo

Escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “MAIS” (edição de 02-01-2000), editado aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”. Publicado originalmente no livro “Claro Enigma”.

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.

Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável

pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar

toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.

Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter suado os já perdera

e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,

covidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,

assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,

a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de

teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,

olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,

essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo

se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo".

As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o set terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar
na estranha ordem geométrica de tudo,

e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que tantos
monumentos erguidos à verdade;

e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,

tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.

Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,

a esperança mais mínima - esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;

como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face

que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,

passasse a comandar minha vontade que,
já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes

em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,

baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.

A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,

se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.

segunda-feira, março 20, 2006

Dor [A Grief Observed] – C. S. Lewis

“Nunca ninguém me tinha dito que a dor se assemelhava tanto ao medo. Não que esteja assustado, mas a sensação é de estar assustado. A mesma ânsia no estômago, o mesmo desassossego, os bocejos. Não paro de engolir em seco.

"Noutras alturas é mais como estar ligeiramente ébrio ou ter sofrido uma pancada na cabeça. Há uma espécie de pano invisível entre mim e o mundo. Sinto dificuldade em compreender o que me dizem. Ou talvez dificuldade em desejar compreender. É tudo tão desinteressante. E, no entanto, quero ter pessoas à minha volta. Temo os momentos em que a casa fica vazia. Se ao menos falassem uns com os outros e não comigo.Há momentos em que, ah!, tão inesperadamente!, algo dentro de mim tenta convencer-me de que, afinal, não sinto assim tanto, não tanto como isso. O amor não é tudo na vida de um homem. Eu era feliz antes de ter conhecido H. Sou uma dessas pessoas que têm “muito a que se agarrar”. Estas coisas acabam por passar. Vá lá, não pode ser assim tão mal. Envergonha-nos darmos ouvidos a esta voz mas, por um momento, parece estar a sair-se bem. E depois é a súbita apunhalada do ferro em brasa da memória e todo esse “bom senso” se desfaz em nada como uma formiga na boca de um forno”.

domingo, março 19, 2006


Saudosa memória, caro Padawan.

sexta-feira, março 17, 2006

Sonho de Inverno I

Homem de bigode preto e mulher aterrorizada, ambos na sala de um apartamento pequeno em uma tarde de décadas atrás. A mulher suspira; da curva de seus olhos salta uma gota d’água, e depois outra, e outra, até que se desmancha em prantos. Sua boca se abre; parece que irá soluçar. Mas não, ela pronuncia uma palavra, apenas uma. A cabeça salta para trás, pipocando no encosto da cadeira, ao mesmo tempo em que urra como um porco em agonia. A mão do homem abaixa, veias saltadas e leve tilintar. Ela se levanta, faz menção de sair, e de fato sai pela porta de entrada. O homem a segue; ela se dirige com certa dificuldade às escadas; não, é claro, por causa de seu rosto: não se anda com as faces. Havia algo mais. Ela abraça sua própria cintura, enquanto se dirige novamente para o homem, e pronuncia mais uma palavra, esta dita com certa ironia, ao que parece. Seu ombro despenca para o vazio, arrastando consigo o resto de seu corpo. Ela rola as escadas, e cai desacordada.

quinta-feira, março 16, 2006

Cinzas da Veleidade

"Para que vendo, não vejam; e ouvindo, não ouçam."

Rômulo Tenório caminhava havia alguns minutos, o arco da vista dividido entre as pedras do mosaico português e as pontas de seus sapatos. O ritmo de seus passos harmonizava com os de seu próprio pulso, e, como o sentimento que àquele instante o dominava era de uma estranha e intensa indiferença – algo como se houvesse arrancado sua alma e alocado-a em todas as outras coisas exteriores – seu andar era leve, quase um vagar sem destino.

Era a avenida Eduardo Ponz, que marcava o principal sulco de asfalto no meio daquele município. Rômulo o amava, e com ele tudo o mais que, como depois veio a perceber, enquadra-se na lista de palavras com as quais se chega a dizer que uma cidade não é apenas uma cidade, mas uma cidade grande. Sempre acreditara no poder que tais características exercem sobre a mente de um indivíduo, e ele mesmo era o milagre ambulante que confirmava esta fé. Tinha o dedo na chaga, pode-se afirmar. Agora como sempre, aquele era o momento em que esquecia de seu próprio nome, em que parava de respirar para deixar-se invadir pela multidão nas calçadas, tornando-se um minúsculo ponto de grafite no meio de toda a terrível máquina cósmica. Dobrava o seu ego, se é que um dia alguém entenderá como isto é importante na vida de um homem.

Uma pedra maldita fê-lo voltar a si mesmo. Um parco gomo de concreto - e um rosto também. Ao receber o impacto dolorido, levantara os olhos ao nível das cabeças que por ele passavam, e pousara-os na face circunspecta de um jovem - um relance fugidio, certamente, e que bastou, contudo, para novo contágio de introspecção. O resto foi por conta da imaginação, esta perene fabricante de sinapses tresloucadas: a dor lembrou-lhe a Dor - a Dor, a angústia.

O rapaz, notadamente bem alinhado, trouxe-lhe à memória a imagem daquele estudante das leis, com quem cursara a faculdade havia nove anos. Assíduo freqüentador de boates, discípulo intransigente de Baco, embaixador de todas as causas universitárias - era de porte físico pujante, inversamente proporcional ao seu glossário, um tanto diminuto. A trivialidade, para ele, era tão natural como seu fígado: existia, somente, como se não devesse ser de outro modo. Nada lhe restava, apenas a meia-virtude de receptar o ambiente, de traduzir cada inflexão de voz e cada contração da face em sinais evidentes do pensamento alheio, para não maculá-lo com seus próprios defeitos. As sobras eram cinzas da veleidade, aguardando o derradeiro sopro para completar o aniquilamento da potência.

Tais propriedades causavam asco em Rômulo. A percepção, pela obra genérica, nunca fora seu maior dote. E, todavia, o menor contato com o colega bastava para produzir-lhe a sensação de encontrar-se perante um homem encardido, um espírito frouxo – a pedra de toque dos que gastaram o olhar na contínua inspeção de todas as coisas, incautos, antes e depois, das conseqüências. Estas não são tristes; ao contrário, ouve-se risadas. Mas risadas que saem escarradas do peito, revelando a insurreição da própria consciência, tantas vezes afogada na consecução do ato, e que agora se vinga, escarnecedora, do infrator.

Um dia, porém, Rômulo o alertara. “Neste mundo, há efeitos de certas ações que nem mesmo a redenção pode apagar. O inocente assim perdura apenas até o momento em que responde a outros chamados; após, a chaga aberta e supurada acaso fecha-se - mas a marca continua, e a realidade segue a própria sina, imitigável. O inferno, portanto, é a inequívoca certeza dos fatos consumados, a que se soma a dúvida sobre a atual constituição do espírito, quiçá acerca da futura. O tormento se inicia, assim, já nesta vida - ela mesma, o pêndulo que vacila entre o desejo e a verdade.”

Rômulo estacou. Ao lembrar-se do sorriso cético com que o companheiro lhe respondera, atingiu-lhe o anseio, não pequeno, de gritar aos quatro ventos todos os impropérios que aprendera até então. Conteve-se, no entanto, raciocinando na imutabilidade inexpugnável de certas fortalezas. “O sol, enfim, há de ser para sempre o mesmo carro de Apolo” - e, abrindo bem os olhos, esperou até que a loja da esquina viesse em seu socorro com um banho de materialidade.

Mas as sombras já se alargavam, e a avenida chegara ao fim, o que significava estar na hora de regressar a seu apartamento, e ele, contrariado pela fugacidade do passeio, virou-se, limpou os óculos na camisa, e palmilhou novamente a calçada, absorto nos dizeres do poeta: “Poema nenhum, nunca mais, /Será um acontecimento: /Escrevemos cada vez mais /Para um mundo cada vez menos, /Para esse público dos ermos /Composto apenas de nós mesmos /Uns joões batistas a pregar /Para as dobras de suas túnicas /Seu deserto particular, /Ou cães latindo, noite e dia, /Dentro de uma casa vazia.”[1]

[1] “Casa Vazia”, Alberto da Cunha Melo

quarta-feira, março 15, 2006

O Ósculo de Orfeu

Salve, o poeta da Trácia!
Viva, o indecente ceifeiro!
Quem te guiou na trapaça?
Quem te falou ao ouvido

Que o homem é vaso e água?
Que a água é o sopro divino?
Que a morte é a trinca no vaso?
Que é certo o ocaso, e certo o destino?

Agiste de má-fé, quero crer.
Sorveste o ópio do Incerto,
está claro. Qual direito tens

De abalar as luzes do inferno
desta barca sempre errante, do
féretro inteligível e concreto
que jaz no humano cemitério?

Repousaste teus lábios no rosto
esquivo. Mas erraste, caro amigo -
que a alma agora viu-se rota,
entrou em desespero e meteu-se um crivo.

terça-feira, março 14, 2006

Saudações Preliminares

A todos os que o infortúnio de me conhecer alcançou, dedico as observações que serão divulgadas por meio deste blog. Não tenho a pretensão de formar um público cativo - advertência necessária, posto que há leitores cuja exigência talvez não aprove a regularidade de minhas publicações. Espero, tão-somente, ter um lugar onde aquelas sinapses desvairadas possam descansar em paz.

E minha primeira declaração, como maestro dessa orquestra, é que não tenho papas na língua. Definitivamente não. Meu compromisso, deixo desde já registrado, está para com a verdade. Em outras palavras: vou meter o pé na jaca. É só.

O Homem no Espelho

“Todos aqueles que têm tido a infelicidade de lidar com criaturas completamente doidas ou que estão no estágio inicial da doença mental sabem que uma das suas características mais sinistras é a espantosa clareza nos pormenores: as coisas ligam-se umas às outras em um plano mais intrincado que um labirinto. Se você discutir com um doido, muito provavelmente levará a pior, pois a mente do alienado, em muitos sentidos, move-se mais rapidamente porque não se detém em coisas que preocupam apenas quem tem bom raciocínio. O louco não se preocupa com o que diz respeito ao temperamento, à caridade ou à certeza cega da experiência. A perda de certas afecções sãs tornou-o mais lógico. A maneira como se encara, vulgarmente, a loucura é errônea: o louco não é o homem que perdeu a razão, mas o homem que perdeu tudo, menos a razão.”

Falar de autores e livros é sempre um exercício mais ou menos ingrato. A relação escritor-leitor fica invariavelmente restrita a um início onde se apresenta o nome do cidadão sobre o qual se irá versar, em que lugar nasceu, se teve mulher, filhos, se fez algo de importante além escrever um livro, etc. Tudo isso é por certo enfadonho e, se pudesse, no caso deste texto simplesmente começaria por dizer que Chesterton é Chesterton, e o resto é o resto.

Acredito que há uma classificação pacífica segundo a qual todas as obras artísticas encontram-se divididas em duas espécies: as que serão lembradas até o fim dos séculos e as que serão deixadas no lixo do esquecimento. Ortodoxia é uma dessas criações literárias que veio para ficar. Uma verdadeira elegia ao bom gosto, cujo autor chama-se Gilbert Keith Chesterton, nascido em um pequeno distrito central de Londres (Kensington) no ano de 1874. De fato, um dos maiores gênios destes últimos dois séculos de escritores, ao lado de mestres da literatura como T. S. Eliot, C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien.

Santo Tomás de Aquino disse certa vez que Deus é infinitamente perfeito pois também é incomensuravelmente simples: a Unidade, a falta absoluta de tudo o que possa sequer beirar a menor complicação estão tão afastados de Seu ser quanto um círculo está de um quadrado. Pois bem, em relação a Chesterton pode-se trilhar o caminho inverso: sua simplicidade argumentativa é algo que está absorvido de tal modo em seu estilo que ele quase alcança a perfeição, se isto é possível. Ortodoxia, assim como “Heretics”, “The Everlasting Man” e toda sua vasta obra estão permeados desses insights de um louco bom-senso, que deixa qualquer um desconcertado e incapaz de contra argumentar. Os silogismos de seus raciocínios não são apenas verdadeiros: são de uma verdade cândida, algo como uma mistura da inocência infantil com a inconveniência da realidade iconoclasta descrita por Lewis em “Dor” (A Grief Observed). Em suma: é o “tapa na cara” que a mãe desfere no filho, que chora não tanto porque o golpe arda sua pele, mas por ter de sujeitar-se à autoridade materna irrefutável.

A caminhada pela qual Chesterton nos conduz à verdade é ao mesmo tempo alegre e dramática, pois a sua alegria é diretamente proporcional ao espanto que causa em seus leitores e à ruína a que leva todos os sofistas – um dos muitos paradoxos do livro que são, por assim dizer, o playground do autor por excelência.

Qualquer pessoa que se interesse por Ortodoxia certamente ouvirá de outros que esta é a história do início da conversão de Chesterton ao Cristianismo, mas isto é um erro. Chesterton não se converteu. Chesterton apenas o olhou de frente e, para sua surpresa, viu a si mesmo como em um espelho. Ortodoxia é apenas o conto deste “olhar de frente”.

O verdadeiro equívoco, no entanto, reside em pensar que a obra é uma espécie Confissões de Santo Agostinho. Fosse apenas um tipo de autobiografia, o livro perderia muito de sua força. “Orthodoxy”, ao contrário, é como uma caminhada, um passeio em que somos levados pela mão até o ponto final. É mais que um relato: é uma obra de filosofia que mistura a maiêutica platônica com a racionalidade “pés no chão” de Aristóteles e Santo Tomás, mas escrita com a peculiaridade dos paradoxos chestertonianos. Note-se que os diálogos com o leitor não são impressos explicitamente, mas é como se ele nos estivesse dizendo a todo momento: “Não é mesmo que é assim? Isto não lhe parece tão óbvio quanto o mar, o céu e a lua?”. Foi esta combinação explosiva de tudo o que há de melhor na filosofia que deu origem a um dos homens mais sensatos do século XIX, autor de sentenças do tipo “A tradição é a democracia dos mortos”, “O louco é o homem que perdeu tudo, menos a razão”, entre outras. Chesterton, ao escrever sobre sua história, acabou por escrever a de todos os convertidos de dois mil anos de Cristianismo.

Este fascínio pelos paradoxos atinge seu auge no capítulo V do livro, intitulado de “Os paradoxos do Cristianismo”, o qual foi editado na forma de um livreto pela editora Quadrante, em São Paulo. Aqui a sua ousadia fica plasmada de tal maneira que qualquer tentativa de reproduzi-la seria em vão e imperfeita. Limito-me a dizer que, em resumo, o que Chesterton nos transmite é, possivelmente, uma das melhores apologias modernas ao Cristianismo já feitas, e nem o próprio Lewis, talvez, teria capacidade para isto.

Enfim, Ortodoxia é o livro que indico a todos aqueles que querem expurgar os fantasmas da má filosofia de nossos tempos.